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Guerra não é entre nós, é Contra o Vírus – Neurocientista: Para Claudia Feitosa-Santana, pós-doutora pela Universidade de Chicago, a única forma de sensibilizar quem ainda não compreendeu a gravidade do problema é com empatia e escuta

Guerra não é entre nós, é Contra o Vírus – Neurocientista

Negar o poder (ou até mesmo a existência) do inimigo e entrar em estado de pânico são dois dos comportamentos mais comuns diante de uma crise sem precedentes. Para Claudia Feitosa-Santana, pós-doutora em neurociências integradas pela Universidade de Chicago e professora da Casa do Saber, ambos são prejudiciais para conter o avanço desenfreado do coronavírus.

A senhora diz que há dois comportamentos diante da crise:

A negação e o pânico. Qual é mais prejudicial?

A transição de um para o outro dura muito pouco tempo. A maioria das pessoas acaba ficando em um dos pólos. Para atravessar o estado de pânico, precisa de informação. Quanto mais na dúvida, pior. Obviamente, não é todo mundo que passa pela negação. Mas a maioria passa pelo medo. Vamos fazer paralelo com a gripe espanhola de 1918. A partir do momento em que virou pandemia e estava em todos os lugares, era difícil de sair do estado de pânico. Porque a chance de morrer era grande. Hoje é diferente, porque nós sabemos que não temos mais como matar o vírus, mas temos como reduzir a forma como o vírus vai se propagar.

Nunca tivemos tanto acesso à informação, mas parte dela é falsa.

Como as fake news atuam na crise?

Prejudicam demais. A internet é maravilhosa, mas praticamente só sabe distinguir a informação confiável quem tem formação científica. É por isso precisamos não só de educação, mas de educação científica. Que tem consegue entender, por exemplo, o que é crescimento exponencial e quais as consequências de não se controlar os vírus agora. Mas, em geral, as pessoas que querem estar bem informadas leem tudo que chega. Como não são especialistas, não têm por onde ter uma base. Aí começam a ficar confusas, misturar tudo. É melhor nem abrir um vídeo que não tenha informação depurada. Você tem de confiar nos consagrados canais de jornalismo de qualidade. Estar bem informado é a chave da questão.

  • Por que o ser humano tem tanta dificuldade em adotar o caminho do meio diante de crises?
    • Temos aversão à incerteza. Vamos imaginar quando vivíamos lá na savana, há milhares de anos. O medo era algo constante em nossas vidas. Você tinha de estar sempre alerta, fugir dos predadores ou matá-los. Se você visse de longe algo que parecia um leão, você já considerava que era um leão. A dúvida poderia render a morte. Somos filhos de ancestrais que, na dúvida, resolveram considerar essa situação como perigosa. Mas nossa vida e cultura mudaram. Muita gente não consegue enxergar esse perigo e, diante de incertezas, prefere negar. Além disso, a mudança de comportamento exige gasto de energia gigantesco. Por que as pessoas estão morrendo sem leito na Itália? Porque foram só reagindo. Neste momento, não podemos reagir, temos de agir, em método de prevenção.

Como convencer aqueles que estão em negação?

Temos um fenômeno recente da nossa sociedade: mania de falar muito e escutar pouco. Não adianta querer dar conselho para alguém que não te pediu. Dar uma resposta para alguém que não fez pergunta. A única forma é a comunicação não violenta, que chamo de comunicação construtiva. É escutar a lógica do outro e fazer com que a própria pessoa, dentro dos seus argumentos, vá se abrindo e se questionando. Se você não deixar a pessoa que nega raciocinar, e entregar para ela o raciocínio pronto, ela não vai ser sensibilizada. Sei que estamos numa corrida contra o tempo. Mas muitas pessoas não perceberam que não estamos em guerra entre nós, mas sim numa guerra contra o vírus.

Como demover os que estão em pânico da necessidade de estocar comida, por exemplo?

Estamos nunca sociedade mais organizada, moralizada, humanizada. Somos melhores, como sociedade, do que éramos na Segunda Guerra Mundial. Somos culturalmente mais desenvolvidos. O mundo está se mobilizando drasticamente. Salvar vidas hoje significa ter recessão econômica gigantesca. O mundo vai precisar se modificar globalmente. Por que? Porque agora temos um avião, que é como um mosquito, que carrega vírus para o mundo todo e em poucas horas. O que estamos aprendendo com o coronavírus é que podemos ter em poucos anos outro vírus pior do que esse. E não vamos poder parar por quatro, cinco meses de novo. O mundo vai ter de se reestruturar.

A pandemia virou mais uma disputa entre a direita e a esquerda? Por que transformamos tudo em ideologia?

Tem um biólogo evolucionista, o Stephen Stearns, que diz o seguinte: é natural do ser humano polarizar. Se a gente pegar dez crianças que nunca se viram e dividir em dois grupos, um azul e um vermelho, em 20 minutos elas se tornam inimigas. Desde os primórdios, é natural da nossa sociedade que gente adote um líder e vários seguidores. Estamos mudando, mas não mudou completamente. Com a internet, a sociedade está mais horizontalizada e podemos ter mais líderes. Quando a gente aprende por que polariza, fica mais fácil desconstruir. Mas precisa ser com muita empatia, muita escuta.

Quais os riscos do isolamento social e o que fazer para manter a calma?

Vamos ter de viver o presente. O confinamento gera danos psicológicos. As pessoas precisam ter consciência de que não vai ser fácil para ninguém. Teremos lidar com essa questão um dia de cada vez. Não estamos falando de dias em casa, estamos falando de, no mínimo, semanas. Mas poderemos estar todos conectados, apoiando um ao outro via internet. Vejo o lado bom: ninguém estava sabendo usar o celular. Agora vamos aprender para o que realmente serve, que é para se comunicar e ficar perto de quem está longe. Antes, estava todo mundo na rua, junto fisicamente, mas separado, conectado em seus celulares. Agora vamos descobrir que estaremos distantes fisicamente, mas conectados via celular.

O que Esperar para Depois da Crise?

Acho que o mundo vai mudar para melhor depois do coronavírus. Tem de mudar, porque a gente vai continuar voando. Aprendi que a gripe espanhola demorou sete anos para virar pandemia. E o coronavírus? Sete semanas? Não temos outra alternativa que não mudar para melhor. Teremos muitos aprendizados ficando em casa. Teremos mais controle sanitário. As empresas vão aprender que viagens e reuniões são inúteis. Vamos nos conscientizar sobre esse turismo insano, vazio e imbecil que as pessoas fazem.

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